Madrid, Espanha, 25 de novembro de 2005
Meu pequeno pássaro azul,
Estes últimos dois meses foram os mais difíceis de minha vida. Sinto falta do seu cheiro, dos seus carinhos, da curva que seu sorriso faz. Meu lindo príncipe, aqui na Espanha as coisas são lindas, mas parece que nada faz sentido se não posso dividi-las com você. Depois de três anos juntos, não consigo viver mais um dia sem você. Tenho medo do que possa acontecer com nosso amor.Lembra que eu prometi te fazer feliz? Acho que falhei com você. Sinto que você não está. Sua mãe me disse que você quase não sai de casa, a não ser para ir trabalhar e para a faculdade.Não quero que você sofra mais. Por isso, tomei a decisão mais difícil da minha vida.Não serei mais suas lagrimas de tristeza, e você não será mais as minhas. A vida é sábia e perfeita demais, nos encarregará novos sorrisos, e quem sabe, novos amores.
Te amo, e sempre te amarei. Adeus. Luís Felipe, o seu Lipe.
Ao terminar de ler a carta que acabara de receber, Guto olhou fixamente para um ponto distante, como se estivesse marcando o infinito com o seu olhar incrédulo. Seus olhos verdes claros, agora contrastavam com o vermelho coberto por lágrimas de quem perdeu o sentido da vida. Por alguns instantes, Guto deixou de viver.
Após retomar o fôlego, o coração do jovem parecia estar quase parando. O suor frio escorria por sua testa, era um rosto sem qualquer expressão. Nem se quer sua testa franzia. Se levantou do sofá e começou a atravessar a casa. Esqueceu-se de que descera para preparar o café da tarde. Deixou o bule e o açúcar sobre a mesa. O caminhar era igual a de um sonâmbulo. Outros poderiam dizer que ele estava drogado. Com passos lentos, firmes e de quem conhecia exatamente onde estava pisando, ainda que estivesse com a alma em outra dimensão. O olhar era de quem acabara de descobrir uma doença grave ou a morte de um familiar querido. Guto estava em choque.
Ele passou pelos retratos na parede. Havia quadros da família, dos amigos, e claro, do seu grande amor. A foto favorita de Guto era a de aniversário de três anos de namoro, completados há menos de um mês. Os dois estavam abraçados com um boneco de neve pequeno ao lado, como se fosse a família mais feliz e perfeita do mundo. O casal tinha ido para Argentina, conheceram pela primeira vez aquela brancura de gelo. Depois passou pela pequena estatueta de um golfinho, que ganhara de Lipe após se recuperar de uma gripe - na verdade, Guto fazia mais charme para ganhar carinho, do que realmente estava doente, também passou despercebido pelo calendário que fizera para contar os dias que viajaria para Espanha, e reencontraria seu amor. Gustavo não esquecia de colocar um "x" nos dias que já haviam passados, era como se fosse um ritual religioso. Porém, hoje seria diferente.
O jovem caminhou pela casa como se fosse um desconhecido. A sorte era que sua mãe havia saído para o mercado com seus irmãos, pois se o visse nesse estado logo entraria em pânico. Ele entrou no seu quarto e fechou a porta. Nesse instante, parecia que o corpo amortecido de Guto voltava ao normal, retomando um pouco a consciência de lugar e espaço, e era como se estivesse recebendo facadas no peito, ele apoiou as costas na porta e sentou, derrubado pelo peso de suas lágrimas. O coração dele havia sido invadido por uma onda de tristeza e dor. Seu choro era desesperador, seus gritos poderiam ser ouvidos por todo bairro. Eram berros de desespero, incredulidade, triste e saudade. O menino estava acabado, e seu choro parecia não ter fim.
Dentro da cabeça dele os pensamentos passavam tão rápido como uma noite mal dormida, quando não há sonhos. O que o jovem mais temia acabava de acontecer, e foi da pior maneira - se é que existe uma maneira certa para destroçar um coração apaixonado. O choro parecia ecoar nas memórias mais lúcidas e ao mesmo tempo utópicas de sua vida. Aquelas que esteve com seu amado e jurou que seria para sempre.
Gustavo lembrava exatamente o dia que conhecera Luís Felipe. Foi tão desastroso e incomum que seria impossível não dizer que dali surgiria um amor como os de cinema. Era a recordação que ele mais cultivava - o dia que o amor bateu em sua porta, ou melhor, o dia que Lipe bateu em seu carro.
O rapaz tinha completado 18 anos, e ganhado de sua mãe um automóvel de presente pela maior idade. Seria mais útil também porque Guto pretendia estudar em uma faculdade do outro lado da cidade. Mas o seu destino mudaria no exato momento em que estacionou o veículo na frente de sua casa e entrou para buscar alguns papéis para finalizar a inscrição na universidade. Neste momento ouviu um barulho vindo do lado de fora, e ao sair percebeu que um jovem tinha batido com uma bicicleta no seu carro.
Alexander Cesar
Um paulistano aspirante a jornalista. Bilíngue, social media e heavy user. Amo blogs, redes sociais, celular e quase nunca assisto televisão.Eu penso tanta coisa que seria egoísmo não dividir isso com alguém.
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